Anoitecer
Carlos Drummond de Andrade
É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas, sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.
É a hora em que o pássaro volta,
mas de há muito não há passaros;
só multidões compactas escorrendo exaustas
como espesso óleo
que impregna o lajedo;
desta hora tenho medo.
É a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz - morte - mergulho
no poço mais ermo e quedo
desta hora tenho medo.
Hora de delicadeza
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá isso no mundo?
É antes da hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo.
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